Social Futebol Clube
Domingo, 11 de julho de 2010. Vermelho e amarelo são as cores da campeã da Copa do Mundo da África, a Espanha. É noite no Rio de Janeiro e último dia de mundial.
A Banda AfroReggae toca ao vivo como convidada do programa “Repórter África”, da TV Brasil. O estúdio frio se contrasta com a manhã quente da participação que fizeram em outro programa durante esta Copa o “Bom dia África”, do SporTV, que foi gravado num dia de sol no terraço da Globosat, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio.
Segunda-feira, 12 de julho de 2010. O dia amanhece e as manchetes dos jornais anunciam uma nova ordem no futebol mundial. A Copa da África foi palco inédito para um campeão inédito. Espanha deve ditar um novo estilo de jogo para o restante do planeta da bola.
Virada no esporte, virada também numa das mais importantes instituições sociais do país do futebol. O AfroReggae, Grupo Cultural que tem uma relação cronológica com o futebol.
Era 1983, o joguinho costumeiro acontecia todo sábado à tarde, entre amigos das favelas vizinhas Vigário Geral e Parada de Lucas. De tão importante, a pelada originou um campeonato.
Disputa da final do torneio: de um lado a torcida de Lucas do outro a de Vigário.
Em campo o duelo começa.
A torcida estava animada. Tempo fechado.
A garoa fina acumulava água nos cantos do campo, deixava a bola mais pesada, mas nada impedia que cada vez mais moradores se aproximassem para testemunhar o jogo duro.
Então veio a disputa de pênaltis.
Na última cobrança do time de Parada de Lucas, o goleiro de Vigário, chamado Geléia, se concentra.
Olha para a bola. Olha para o céu.
Um traficante de Lucas acompanha a movimentação do goleiro.
O jogador chuta para o gol.
Geléia se adianta.
Salta e agarra a bola no ar, numa autêntica cena de esporte.
Beleza e plasticidade.
Geléia cai abraçado à bola.
O goleiro de Vigário não pode mais escutar o som da torcida.
Está morto.
Corre corre, gritaria, a guerra foi anunciada.
Um traficante de Lucas atirou no goleiro Geléia.
Uma partida de futebol foi o estopim da mais longa guerra pelo controle de pontos de vendas de drogas no Rio de Janeiro.
A guerra, que vai durar mais de 25 anos, começa.
Nos jornais, as manchetes: “faroeste urbano”; “guerra do tráfico assusta moradores; interdita ruas, paralisa trens, impõe fronteiras”.
Moradores da Favela de Lucas são proibidos pelo tráfico de entrar na vizinha Vigário Geral, onde há o único posto médico da região.
Anisitia Internacional alerta para possibilidade de um "banho de sangue".
Enquanto isso, na região central da cidade, cercada de violência, prostituição e drogas, surge um movimento social de valorização da cultura afro brasileira, que usa um jornal para levar sua mensagem de paz e justiça social.
Um grupo de jovens se reunia para encontrar um caminho de participação social. A vontade de fazer algo, que transformasse a realidade das pessoas e a própria vida deles, se concretizou em forma e conteúdo de notícias.
Em 1992, circula a primeira edição do AfroReggae Notícias (ARN) e dez anos após a pelada, que originou a guerra entre Vigário e Lucas, é fundado o Grupo Cultural AfroReggae, que nasce no dia 21 de janeiro de 1993.
No mesmo ano, no dia 29 de agosto, a Seleção Brasileira disputa, em Recife, Pernambuco, uma das partidas mais importantes de sua história. Era contra um adversário fraco e sem tradição, a Bolívia, porém devido aos últimos resultados, corria o risco de ficar de fora da Copa dos Estrados Unidos. Acabou vencendo por 6 a 0.
No dia seguinte(30), o Brasil acordou com uma derrota social. A notícia tinha outro placar: 21 pessoas, trabalhadores e uma estudante, haviam sido assassinados em Vigário Geral. Poucas semanas antes, oito meninos de rua foram mortos, em ambos os casos os assassinos eram policiais.
O GCAR que já estudava ampliar suas atividades para além do ARN, com a intenção de ajudar jovens das comunidades e afastá-los da criminalidade e da ociosidade, foi convocado a participar pela primeira vez de uma discussão de intervenção social a “Caminhada pela Paz” que sairia da Candelária, no Centro do Rio, e chegaria até Vigário Geral.
Em Vigário, a entidade começou a entender a dinâmica das favelas, as necessidades dos moradores e a perceber a rivalidade que existia entre Parada de Lucas e Vigário Geral.
Se o GCAR tem hoje Núcleos de Cultura em Vigário e em Lucas foi porque a própria comunidade local quis dar um basta a tanta violência. Os próprios moradores ajudaram a construir um trabalho cultural que resgatasse a auto-estima, a liberdade e acabasse de vez com os estereótipos e a discriminação do asfalto.
Em 2006, durante a Copa da Alemanha, num vôo entre RJ/SP, José Junior e o Luis Roberto Pires Ferreira - o Beto, publicitário carioca com vasta experiência na área social e um dos idealizadores do Criança Esperança – conversavam. Junior viu num torcedor, a camisa da Seleção e questionou o porquê de tantos nomes de empresas no uniforme dos jogadores do Brasil. A Copa de 2006 acabou revelando ao coordenador executivo do AfroReggae um modelo de impacto social inovador que busca alternativas de renda e emprego nas parcerias com empresas.
Nesta Copa da África, mais uma vez o futebol marca o calendário do GCAR. O futebol está globalizado. O AfroReggae idem. O ano de 2010, da histórica Copa do Mundo, vai ser um marco também na história do GCAR.
Iniciado como um jornal, a instituição se consolida como um movimento social pioneiro focado em desenvolvimento socioeconômico sustentável da população de baixa renda, através das conexões entre setor privado e comunidade.
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